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A minha Pinta é a minha marca
Cresceram comigo e irão acompanhar-me para sempre. Pequeninas inquilinas que vão surgindo – discretamente no meu rosto – e vão compondo uma manta pigmentada.
Sim: tenho sardas. Comum característica das ruivas, faz parte da minha figura – morena clássica – e marca, completamente, a minha identidade.
A grande maioria concentra-se no meu contorno dos olhos, quase que os delineando, e espalham o seu domínio alem fronteiras, pelas minhas bochechas rechonchudas e firmes.
Nunca foram um problema para mim – antes pelo contrário. Funcionaram sempre como um selo diferenciador no meio das meninas da minha idade. Nunca fiz por escondê-las.
Tornam-se mais atrevidas no Verão. O sol convida-as reproduziram-se e acabam por surgir em força e mais revigoradas, alastrando-se também pela testa, tal é ainda o território que lhes falta conquistar.
A sua beleza torna-se mais evidente, nesta altura do ano. A sua intensidade dá um colorido estival à minha face. Dá-me vida, dá-me luminosidade.
A minha pele escurece muito facilmente logo aos primeiros raios solares. Um bronzeado achocolatado uniforme ganha forma e cresce. É sobre esta máscara natural que as minhas sardas emergem – tal qual lustro fresco – parecendo pequenos grãs de areia brilhantes. Vale por si só: sem truques, nem mezinhas. Nada uso. Apenas lhes dou luz. Tenho o sol como meu maquilhador.
A minha favorita – a Pinta – que se instalou no canto superior da minha pálpebra esquerda. Destaca-se de todas as outras: maior, mais castanha, mais perfeita. Ganha vida com o meu sorriso. A mobilidade da Pinta depende constantemente do meu humor. Acredito que tenha assimilado parte da minha personalidade solitária: vive completamente isolada. Todos os anos analiso e reparo que na pálpebra esquerda mais nenhuma sarda nasce. A Pinta domina o seu território a ferro e fogo, pois mais nenhuma da sua espécie se atreve a plantar-se em tal terreno. Talvez seja mesmo assim.
Com a chegada do Inverno, as minhas sardas perdem a sua intensidade. São como pequenos holofotes que vão perdendo energia, ate só ficarem só as lâmpadas. Aguardam o poder do Deus Sol para voltar a rejuvenescer, semelhante a flores.
Fotossíntese dermatológica: chamo-lhe assim.
Elas vão e vêm.
Pelo menos a Pinta esta sempre lá.
